O Novo Paradigma da Relação UE-EUA

Macron soa o alarme: "São escolhas que fragmentarão o ocidente"


(Fonte imagem: Consilium Europe)

No fim de novembro passado, mais concretamente de 29 desse mês a 2 de dezembro, o presidente francês Emanuel Macron visitou Washington, aproveitando para elencar certas preocupações dos congéneres europeus face a dois diplomas promulgados pelo presidente norte-americano Joe Biden. “São escolhas que fragmentarão o ocidente porque criam diferenças entre os EUA e a Europa”, afirmou o chefe de Estado francês, referindo-se ao Inflation Reduction Act e ao Chips and Science Act, que consistem em subsídios e incentivos fiscais para a produção de veículos elétricos e chips nos EUA, isto é, promover o regresso dos manufatores à ‘terra da liberdade’, no âmbito da competição com a rival China. Uma política protecionista ‘buy american’, que é percecionada por Paris como uma abordagem agressiva, dado que a França e a Alemanha, o motor binomial da UE, são produtores substanciais de veículos. Acrescentando a este ponto de tensão, está o recrudescer da frustração europeia no que concerne a menor partilha de esforços por parte dos norte-americanos no quesito Ucrânia-Rússia, bem como os espólios que deste têm obtido. No cerne das exigências europeias, estão inclusive o acesso a gás menos dispendioso, de forma a tornar a Europa não tão dependente da Rússia, assim como acesso ao mecanismo de subsídios para as energias verdes. Neste sentido, Macron procurou uma maior unidade transatlântica em políticas económicas e no esforço conjunto necessário decorrente do impacto da guerra na Ucrânia. Caso contrário, o mais velho aliado dos EUA assume que está em jogo um possível espoletar duma guerra comercial, numa corrida a um jogo de soma nula de tarifas em forma de retaliação.

(Fonte imagem: Reuters)

Se o ex-presidente Donald Trump era o epítome do neorrealismo de Kenneth Waltz, Joe Biden aparenta prosseguir similar legado protecionista. Um claro recuo, em primeira instância, no modelo de globalização vigente e subsequentemente na parceria EUA-UE, ancorada no free-trade e interdependência, que é apanágio da tradição do institucionalismo liberal de Robert Keohane. Não é despiciendo salientar que uma putativa tensão de dimensão económica terá, necessariamente, implicações no âmbito da NATO, constituindo, assim, uma alteração paradigmática no que diz respeito a como o ocidente se apresenta, ou seja, se mais unido ou, se pelo contrário, cada vez mais distante. É deveras um cenário sobremaneira pernicioso, dada a conjuntura internacional que coloca inúmeros desafios ao ocidente, designadamente, a guerra na Ucrânia, bem como a omnipresente sombra da China, que certamente estará atenta ao desenrolar do conflito e possível enfraquecimento russo para promover a sua influência geoestratégica na região. 

(Fonte imagem: Eurics)

No entanto, é visível que a invasão russa despertou a NATO que, aliás, Macron alertara em 2019, para a sua gradual morte cerebral. Neste sentido, os aliados encetaram o caminho para um maior investimento na esfera da defesa, num esforço coletivo rumo aos famigerados 2%. Recorde-se que o ex-presidente Trump exigiu aos parceiros que a fasquia subisse para os 4%. A este propósito, atente-se que, em 2022, os EUA contribuíram com cerca de 750 milhões de dólares – 3,47% do PIB –, mais do que os demais membros da NATO conjuntamente. Todavia, este é um momento de reflexão e ação para a UE. Macron, que emerge como a figura de liderança da UE, já entendeu que a relação com os EUA se alterou. 

Contudo, não se vislumbra que seja somente algo conjuntural, mas sim para perdurar no tempo, visto que começou com Trump e aparenta prosseguir com Biden. Deste modo, a Europa deve absorver que os EUA são amigos, parceiros, aliados, mas os seus interesses não são obrigatoriamente convergentes. É sob esta lente que Macron se move, assumindo inclusive a defesa de um exército europeu, de forma a não estar refém da proteção garantida pelos norte-americanos, isto é, uma Europa soberana, capaz de se defender, independente das vicissitudes da política externa dos EUA. A posição europeia, entre o bloco norte-americano e o bloco sino-russo, é adversa e plena de potenciais ameaças de inúmeras estirpes, o que deve impelir a UE a adotar uma postura de maior autopreservação, sem prejuízo das históricas e atuais parcerias e alianças.

Neste sentido, o caminho que a Europa deve trilhar foi já delineado pelo chefe de Estado francês, ou seja, com o enfoque sobretudo em si mesmo, nos seus objetivos, na sua coesão, na sua soberania, independência e autossuficiência, dotado duma política comercial mais protecionista do que é tradicional no contexto das relações EUA-UE. A UE enquanto organização internacional sui generis, dinâmica e complexa, terá que dar sinal de vida. Por conseguinte, e à semelhança de qualquer ser vivo, é imperativo que se adapte, caso contrário será a morte do projeto europeu. Assim sendo, a UE enfrenta um teste premente ao desígnio original de Schuman e dos demais pais fundadores, se é realmente uma união, uma união europeia.

 

           

           

            

 








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