A encruzilhada do Médio Oriente e o papel determinante da China

 

         O acordo assinado em Pequim entre o Irão e a Arábia Saudita mudou a geopolítica mundial, valorizando a influência chinesa na governança global. Estaremos, perante, a criação de novas dinâmicas de poder nas relações internacionais? E, em que sentido?

(Fonte: Wordpress)

        O Irão e a Arábia Saudita são países de grande relevância no médio oriente, principalmente devido às suas grandes indústrias petrolíferas. No entanto, estão fortemente divididos, há séculos, por uma clivagem de natureza religiosa, que opõe xiitas a sunitas numa competição pela liderança do mundo islâmico. A Arábia Saudita é, por sua vez, um reino árabe que professa uma matriz sunita fundamentalista do Islão, ao passo que o Irão é uma república islâmica que assenta numa interpretação xiita radical.

As divergências religiosas e culturais são claras e influenciam os países em seu redor, dificultando a tão esperada estabilidade no Médio Oriente.

Alguns dos momentos chave do conflito entre os dois Estados são a Revolução iraniana e a guerra, uma vez que, em 1980, o Iraque atacou o Irão, alegando que a recém criada República Islâmica do Irão, pretendia expandir a sua revolução para outros países do médio oriente. A guerra durou oito anos e, opôs o Iraque e o Irão, teve também a participação da Arábia Saudita que, apoiou financeiramente o regime iraquiano. Voltaram a estar em polos opostos em 2012, quando se dá o início da crise na Síria, com o Irão a apoiar o regime e, a Arábia Saudita, os rebeldes. Também no conflito no Iémen, o regime é apoiado pela Arábia Saudita e os rebeldes xiitas houthi pelo Irão, os dois países encontram-se em polos opostos.

Em 2016, as relações institucionais entre as duas potências regionais degradaram-se, significativamente aquando da invasão da embaixada saudita em Teerão, capital do Irão, na sequência da execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr. É de notar que também o ataque a infraestruturas petrolíferas sauditas acentuaram esta tensão constante, principalmente, após 2018, quando Washington se retirou unilateralmente do acordo nuclear com Teerão.




Os esforços de aproximação e de reconciliação começaram em 2021, com a mediação do Iraque e do Omã. No entanto, só agora, em março de 2023, é assinado um acordo histórico pelos dois países, num processo de diálogo mediado pela China.

Após quatro dias de negociações em Pequim, a 10 de maio de 2023, foi assinado um acordo pelas três partes: Pequim, Teerão e Riade assente na “afirmação do respeito pela soberania dos Estados e na não interferência nos seus assuntos internos”, concordaram ainda em “retomar as relações diplomáticas e reabrir as embaixadas e missões dentro de dois meses”. O acordo de cooperação na área da segurança assinado em 2001, e um acordo nos domínios do comércio, investimento, tecnologia e cultura de 2018, voltam a ser implementados.

Este acordo assinado pela “mão” de Pequim traduz-se em estabilidade para o Médio Oriente, uma região associada a divisões sectárias (xiitas versus sunitas), e afirma a China como um ator preponderante na governança global. A aproximação chinesa põe em causa o eixo Estados Unidos- Israel -Arábia Saudita, com Washington a perder terreno nesta zona do globo, estratégica a nível económico e político.

O fim desta hostilidade, intervencionada pela China, é reflexo dos seus próprios interesses na região, com o espaço deixado pela administração Biden, na afirmação da China como força global na resolução de conflitos. O ínicio de uma nova era na geopolítica mundial pode estar por vir – na qual a dependência e hegemonia dos Estados Unidos e da Europa não é viável.


(Fonte: Pavelpodolyak)

Pequim tem recolhido esforços para se tornar uma potência decisiva, e a celebração deste acordo, é mais uma vez a prova disso. A sua posição no Conselho de Direitos Humanos da ONU, a participação nos BRICS e a Organização para a Cooperação de Xangai, são outros exemplos da realização dos seus interesses geoeconómicos, dos quais se pode destacar, o acesso a recursos energéticos, a implementação da Nova Rota da Seda e a expansão do renminibi.

Xi Jinping afirma com clareza que “o testemunho de construir um grande país moderno e socialista e avançar com o rejuvenescimento da nação foi historicamente passado à nossa geração”, e na conjutura global onde a invação russa à Ucrânia terminou com a ideia que teríamos chegado ao “fim da História”, como pressagiava Fukuyama, numa obra com o mesmo título, este avanço tem todas as condições para ocorrer. As diplomacias europeias e norte-americanas estão focadas no conflito na Ucrânia, e na consequente defesa da ordem internacional liberal, que se acreditava que reinaria após o fim da guerra fria, assim sendo há espaço para que a afirmação da China como potência se traduza em poder efetivo, com um combate na frente política, diplomática, económica e tecnológica – num modelo de cooperação Sul-Sul.

Assim, o sucesso desta reconciliação entre o Irão e a Arábia Saudita está dependente não só da implementação efetiva do acordo, como dos interesses chineses na região. No melhor caso cenário, o acordo põe término a décadas de instabilidade na região, reduzindo tensões e melhorando as condições de vida das populações, ao mesmo tempo que inaugura uma nova era na geopolítica.

 

 

 

 

 

 

 

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