Suécia e Finlândia: O lugar da Turquia numa pressão de circunstâncias

O concílio das visões é parte da engrenagem da reconstrução de uma ordem internacional liberal que se encontra em decadência. A guerra imposta ao povo ucraniano pela Rússia conta com mais de um ano de duração e o modus operandi dos líderes do Ocidente reflete-se na transformação da política externa dos Estados, em particular nos domínios da defesa. A redefinição do posicionamento turco apresenta, hoje, elevados níveis de importância para a segurança transatlântica: é tempo de fazer escolhas claras. 


                        
                            (Fonte Imagem: Cartoon Movement)



No passado dia 17 de março foi anunciada pelo Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, a ratificação da adesão da Finlândia à Aliança Atlântica, em consequência do encontro com o Presidente Finlandês, Sauli Niinistö, que tomou lugar em Ancara. Diametralmente, a adesão da Suécia continua a ser o enigma adiado que procria. As intenções de adesão da Finlândia e da Suécia avolumaram-se desde o momento em que a ordem vestfaliana se encontrou sob ameaça, a 24 de fevereiro de 2022, pela emergência da guerra imposta ao povo ucraniano. O desencadeamento da escalada militar exprimiu, para a Finlândia e para a Suécia, a revitalização de um processo histórico que corre o risco de se anexar ao lado do desempenho das potências ancoradas na índole imperial. A procura pela segurança interna e pela estabilidade geoestratégica dos Estados por via da adesão à NATO revelou-se, no início da guerra, mais saliente do que nunca por precaver o comportamento  estrutural russo de uma invasão aos países soberanos e não alinhados. A Turquia, enquanto membro da NATO desde 1952, assumiu uma importância particular no Médio Oriente – onde o único aliado é o Estado de Israel - contrariando a noção de espaço de defesa euro-atlântico de modo a direcionar a atuação da política externa para os eixos identitários das relações transatlânticas. Elucida-nos a discordância da Turquia perante a adesão da Grécia, norteado pelas diferentes visões sobre o Mar Egeu e o Chipre desde 1950. 

 

Embora seja maioritariamente consensual a entrada conjunta dos países na NATO, a Turquia revela-se favorável à separação das candidaturas no momento da apreciação. O destino que parecia ser comum aquando da votação primária, que conferiu aos dois países um estatuto de convidados na Aliança, reverteu-se num período de ambiguidade e dependência de um processo de integração assente na aprovação por unanimidade pelos 30 Estados-membros, comprometida pela posição turca e pela ausência de clareza da política húngara. A resistência ao alargamento da Aliança fundamenta-se, em larga medida, na composição sociopolítica da Suécia e enfatiza uma divergência que, desta vez, se coexiste ao lado dos demonstrações geopolíticas: a identificação e a condenação de organizações alegadamente terroristas. Aos líderes do Ocidente, exigiu-se uma visão macroscópica que opõe os recursos que promovem o ascético de segurança possível – dificilmente o ideal para a totalidade – e a compreensão de que o expansionismo russo constitui uma advertência ao alinhamento pacífico dos países escandinavos. A continuidade da incoerência ao nível da política doméstica dos Estados é determinante quando se coloca no centro a priorização dos objetivos: os comuns e os próprios. Perante a turbulência governativa do governo turco no que diz respeito à complexidade ideológica e aos débeis critérios de representação política acrescenta-se o peso de uma política externa que perpetua as relações de cordialidade com a Rússia.



                                  (Fonte Imagem: Cartoon Movement)

 

A ratificação da adesão da Finlândia e da rejeição da adesão da Suécia pela não correspondência às exigências promulgadas pela Turquia refletem o empoderamento pelo veto em justificação de uma perspetiva que pontifica um jogo de soma nula, propondo responder com intolerância aos pontuais acontecimentos preconizados por elementos isolados. No entanto, a análise dos destinos da política externa turca impõem a pertinência da dúvida: será a configuração interna do Estado sueco a única influência na tomada de decisão da Turquia? A visualização das interações da Turquia na ordem internacional torna público os interesses do presente e as projeções do futuro. A Suécia, disposta a romper com 200 anos de neutralidade militar, assume vetores compatíveis com o interesse da União Europeia no que concerne ao espaço aéreo, permitindo, do mesmo modo, uma defesa mais eficiente por parte da Aliança nas fronteiras terrestres de ambos os Estados e na região do Mar Báltico. Em 1979, Kissinger trazia para o debate público internacional a importância direta das figuras políticas na salvaguarda de um elemento de escolha da pressão de circunstâncias. Chegou a hora dos líderes nacionais salvaguardarem uma escolha na nova circunstância que emerge da pressão e que, de certo, não se repete. É tempo de reconverter o veto turco na manutenção da cooperação internacional e na longevidade da segurança transatlântica. 



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