Dar com uma mão, tirar com a outra: as ajudas estratégicas à Turquia depois do terramoto

Margarida Simões discorre sobre o terramoto que assolou a Turquia e a Síria e tenta avaliar se houve ou não interesses por detrás das ajudas oferecidas, nomeadamente a ajuda russa.

No dia 6 de fevereiro acordámos com a notícia que a terra tinha tremido, a Turquia e a Síria foram assoladas por um terramoto de 7,8 na escala de Richter, a que se seguiram várias réplicas, algumas das quais, bem fortes. No conjunto dos dois países morreram mais de 50 mil pessoas.

Vários foram os países que, imediatamente, ofereceram ajuda, entre estes a China, a Rússia, Israel, EUA, Portugal e a Alemanha.  

Assim que as equipas estrangeiras foram chegando ao local, várias foram as questões que foram sendo levantadas pelos mais atentos, veja-se o caso de Daniil Martynov, o líder da ajuda russa em território turco, que é acusado de vários crimes de guerra na Ucrânia, entre eles o de ser o responsável pela tomada de um hospital psiquiátrico e a tornada dos pacientes, muitos deles acamados, em reféns.

Ora, se analisarmos as relações entre a Turquia e a Rússia estas remontam à Idade Moderna. Parte do processo de ascensão e consolidação da Rússia e da Turquia como potências regionais deveu-se, em grande medida, ao acesso e controlo do Mar Negro, que se mostrou altamente estratégico e que despoletou inúmeros desacatos entre estas duas potências. Se historicamente a relação destes dois países está marcada por alguma tensão, o presente tem sido pautado por uma certa reaproximação, em 2019 a Rússia foi o segundo principal parceiro económico da Turquia. Esta reaproximação é também estratégica para a Rússia porque trava o poderio ocidental e “impede” que este passe a predominar também em áreas geográficas já tão próximas da sua e do continente asiático.

Uma das visões justificativas desta aproximação baseia-se no facto de a Turquia ter, desde 1999, o estatuto de país candidato à União Europeia, estatuto esse que nunca evoluiu. 

Para a União Europeia a Turquia é vista como um parceiro estratégico em temas como a migração, o contra terrorismo ou o clima e o primeiro envolvimento do país com esta forma de integração data de 1959 onde foi incluída a Ankara Association Agreement para o adotar progressivo da União Aduaneira.

O facto de o estatuto de país candidato nunca se ter alterado, ainda que tenha sido revisitado por diversas ocasiões, dá-se devido a casos como as ações ilegais contínuas turcas no Mediterrâneo Oriental e no mar Egeu, perfurações ilegais também no Mediterrâneo Oriental, a escassa alternância política, veja-se que Erdogan, atual presidente da Turquia, foi primeiro-ministro entre 2003 e 2014, ano desde o qual exerce o cargo de presidente, o que revela o particular funcionamento do sistema democrático, a falta de respeito pelos direitos fundamentais e a independência da justiça. Outro aspeto importante que influencia esta não entrada é o estado da economia turca, com o presidente Erdogan a “perder a mão” à Lira, moeda turca, os restantes Estados Membros veem como um risco elevado a integração da Turquia, que a nível económico traria mais desvantagens e perigos do que vantagens e garantias, veja-se os elevados níveis de desemprego, a desvalorização da moeda e os níveis record de inflação.

Ainda assim, mesmo com todos os requisitos que não são preenchidos, a Turquia continua a ser um estado estratégico para a União Europeia e com quem as relações devem ser mantidas, uma vez que, geograficamente, constitui um “estado tampão” para a Rússia expansionista e pode também ser entendida como o país fronteira entre o médio oriente e a europa, o que se torna benéfico quando pensamos na crise migratória oriunda de países como a Síria, também ela vítima deste desastre natural. Em 2016, foi assinado um compromisso comum de pôr fim à migração ilegal da Turquia para a UE, de acabar com o modelo de negócio dos contrabandistas e desta forma oferecer aos migrantes uma alternativa que não implicasse colocarem as suas vidas em risco, recebendo a Turquia a quantia de  6 mil milhões de euros para investir neste programa.

Tendo em conta toda a análise já apresentada, torna-se evidente que tanto a Rússia como a União Europeia têm interesse em ter a Turquia como sua aliada, a Rússia com o interesse de travar a expansão das ideias e da cultura ocidental e a União Europeia com o objetivo de travar uma Rússia expansionista.

Estes interesses ajudam a explicar a ideia de possíveis segundas intenções na prestação imediata de ajudas aquando do terramoto, isto porque se espera que em caso de necessidade, o país ajudado fique do lado/auxilie o país que o ajudou. 


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