Rutura de Medicamentos: A Doença Crónica da União Europeia

 Beatriz Simões discorre sobre uma enfermidade crónica sintomática das políticas europeias, a rutura de medicamentos, avaliando as políticas conducentes à conjuntura atual, apresentando, ainda, as principais queixas sintomáticas dos participantes da cadeia farmacêutica.

Fonte: Pharma Manufacturing

    Há cerca de trinta anos, a Europa encontrava-se no centro de produção da indústria farmacêutica. Tendência, no entanto, que se terá revertido, apresentando-se, na conjuntura atual, um desinvestimento de produção acima de 50%, alocando-se, maioritariamente, nos Estados Unidos da América. A dependência medicamentosa de mercados externos não ficará por aí. A produção europeia, que ainda existe, encontra-se intrinsecamente dependente do mercado chinês. Como opção estratégica de rentabilidade, a big pharma europeia tem como modus operandi a primordial importação de princípios ativos – a matéria-prima utilizada na produção de medicamentos – não patenteados da China. Apontando-se que a China e a India produzam cerca de 60% a 80% dos princípios ativos utilizados globalmente, levando a um progressivo esvaziamento da produção europeia e, consequentemente, a uma progressiva dependência. Esta dependência é inflacionada por uma ausência de regulação, vigente da anarquia internacional, que permite a flutuação da produção dos princípios ativos e medicamentos mediante a rentabilidade da mesma.



Fonte: Statista


    

    Este funcionamento de mercado internacional leva a que, no final do ano de 2022, 24,1% dos países europeus reportem uma rutura de mais de 600 tipos de medicamentos, dados exacerbados num contexto pandémico seguido de uma conjuntura de guerra.

Aquelas que são as causas apontadas pela própria Comissão Europeia – um aumento de procura agregado a uma insuficiente capacidade de produção. As respostas nacionais variam consoante a diretriz de políticas públicas aplicadas em cada cenário, no entanto, a Agência Europeia do Medicamento terá recomendado a adoção de medidas mais flexíveis no dispensário de unidades de medicamentos nas farmácias. A ação mais estruturante e reformista do mercado europeu concernente ao medicamento continua, no entanto, a ser pedida por todos os intervenientes da cadeia de fornecimento, inclusive os cidadãos europeus.

    Esta resposta estruturante encontra-se, em teoria, implantada nos limites da União Europeia. Com a alteração legislativa recorrente do passado ano, cujo objetivo é a gestão de crises de saúde, inclusive a rutura de medicamentos, foi criada a Health Emergency Preparedness and Response Authority (HERA), com um role de funções que inclui a própria monitorização de ruturas de medicamentos. Giovanni Barbella, Global Head Supply Chain da Sandoz, uma marca de genéricos, aponta para uma análise mais profunda. Avança que o problema a longo prazo não é o custo de produção, mas as regras do mercado europeu que não permitem o produtor ajustar os preços mediante os custos. Avança-se, ainda, a falta de transparência concernente a todo o processo de balizamento de custos e a aglomeração das fontes de produção. Esta falta de transparência figura-se, também, em outras políticas públicas, neste caso resultantes da legislação europeia de aplicação nos contextos nacionais. Helen Collis, numa análise do âmbito das políticas públicas conducentes a cenários de ruturas de medicamentos, remete para a condição de que a Agência Europeia do Medicamento e as autoridades nacionais não têm acesso à informação suficiente sobre a gestão de stock. A título de exemplo, seis países da União Europeia não apresentam nenhum sistema que permita que as farmácias possam alertar para a inexistência de stock, estando dependentes, apenas, da informação dos produtores.



Fonte: Pharma Manufacturing


   

    O problema da necessidade de medicamentos sem resposta não é recente, no entanto, a ausência de soluções globais apresenta-se fraturante num momento de crise global. É imperativo uma adoção de medidas por parte dos governos nacionais, com implantação de mecanismos de importação urgente e uma gestão de stock interna. Impera, ainda, no entanto, uma solução transversal e estruturante que reforce a União Europeia como unidade.

    A Agência Europeia do Medicamento sugere, para esse efeito, três possíveis soluções. A criação, primeiramente, de observatórios, em colaboração com as autoridades nacionais, para recolher e analisar informação dos pacientes, profissionais de saúde e inícios de sinais de ruturas. Adicionalmente, de modo a prever e evitar a rutura de medicamentos essenciais e críticos, sugere a criação de um registo, em conjunto com as autoridades nacionais, deste tipo de medicamentos. Por último, a Agência Europeia do Medicamento sugere a realização de campanhas e circulação de informação sobre a temática da rutura, bem como que medicamentos se encontram nessa condição.

    Shukar et al, num artigo publicado na revista científica Frontiers, analisam estratégias de mitigação de ruturas de medicamentos, estando organizadas agregando soluções de gestão de ruturas atuais, melhorias das operações e mudanças de políticas governamentais. Nos processos de gestão de ruturas atuais, esta investigação sugere restrições no uso dos stocks no momento da rutura, o aumento dos prazos de validade ou, por exemplo, a melhoria de gestão de desperdício. Relativamente às melhorias de gestão de operações, remetem para o avanço na comunicação entre as autoridades reguladoras ou a diversificação de fornecedores. No que concerne as políticas públicas governativas, o grupo de cientistas avança, por exemplo, com a criação de um sistema de notificação de ruturas e situações de risco de ruturas ou, até, uma alteração das leis de fixação de preços, que permita todos os envolvidos manterem condições de produção e logística.

    Assim, como consequência lógica da necessidade de manutenção das condições de acesso a medicamentos, a União Europeia precisa de tomar medidas que, primeiramente, vejam surgir uma implementação real e pragmática, mas, simultaneamente, que sejam multifacetadas nas várias etapas que, no conjunto, representam a gestão da existência de medicamentos aos cidadãos europeus.



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