FALTA DE CONSENSO NA CIBERSEGURANÇA GLOBAL – RÚSSIA, CHINA E UE COMO PROTAGONISTAS
A quinta sessão de negociação do tratado sobre a Convenção das Nações Unidas sobre Cibercrime, ocorreu a semana passada em Viena, tendo sido dedicada à cooperação internacional, à assistência técnica, à prevenção da cibercriminalidade e à implementação da própria convenção. As negociações estão a gerar divergências entre vários Estados, e a deixar preocupados vários grupos da sociedade civil. O objetivo é criar um Tratado das Nações Unidas sobre Cibercrime que defina normas globais para a vigilância legal e processos legais disponíveis para investigar e processar cibercriminosos, de forma a combater o uso das tecnologias de informação e comunicação para fins impróprios ou criminosos. Com base nos documentos divulgados, serão criados mais de 30 crimes cibernéticos.
O
cibercrime é uma preocupação global, neste mundo em rede em que vivemos, e o
seu combate não deve colocar em causa as leis de proteção de dados, os direitos
humanos e a liberdade de expressão individual. Existe já alguma regulamentação
neste sentido na Convenção de Budapeste, assinada em 2001, a fim de promover
a cooperação entre países no combate a crimes praticados pela internet. A
Rússia infringiu este tratado internacional ao permitir que outras nações
investigassem crimes cibernéticos na sua jurisdição, por este facto em 2017
propôs a negociação de um novo tratado e, a ONU abriu negociações neste
sentido.
Os EUA e membros da União Europeia, não queriam que estas novas negociações ocorressem, com receio de que colocassem os direitos humanos em causa. As
negociações até agora, “em vez de progredirem em direção a uma abordagem
baseada nos direitos humanos (...) está a afastar-se deles”, como
refere Katitza Rodriguez, diretora de políticas de privacidade global da
Electronic Frontier Foundation.
Os pontos de discórdia
entre a União Europia, China e Rússia são inúmeros. Para a União Europeia é
impreterível que a cooperação esteja dentro das fronteiras do direito
internacional, respeitando as liberdades fundamentais e protegendo os direitos
humanos, pressupostos que a Rússia e a China pretendem eliminar. Moscovo
pretende que a convenção englobe todos os crimes da mesma forma, ao passo que a
União Europeia defende que deve existir uma diferença entre crimes graves e não
graves, e que entre as duas jurisdições (a nacional e a internacional) a pena
máxima deve ser de, pelo menos, quatro anos. Este posicionamento russo, demonstra o
porquê de Moscovo ser contra frases como “o direito à proteção da lei, a
interferências arbitrárias ou ilícitas na vida privada e ao direito a um
julgamento justo”.
Já
Pequim é contra uma cláusula que obrigaria à extradição ou a uma assistência
jurídica mútua quando há indícios que as acusações são baseadas em género,
religião, raça, nacionalidade, etnia, opinião política, ou no caso de haver
risco de a pena de morte ser aplicada, assim como não favorável à necessidade
de existência de uma autoridade pública independente para tratamento de dados
relevantes – algo de que o bloco europeu não dispensa.
A
união europeia não considera que se deva manter bases de dados eletrónicas, nem
executar parceiras público-privadas para divulgar provas eletrónicas de forma a
proteger os dados recolhidos, potencialmente confidenciais. Também se opõe à
diminuição do conjunto de provas sólidas necessárias para executar uma
extradição.
Rodriguez
está preocupada com o facto de ainda existirem regras e capítulos da convenção
com leis demasiado amplas, o que pode vir a gerar o compartilhamento de dados
sem necessidade para tal e casos de
dupla criminalidade, ou seja, o quadro legislativo internacional vir a entrar
em conflito com o quadro legislativo nacional de cada Estado. Sendo que o
direito internacional se sobrepõe ao Direito nacional, este tipo de questões
tem de ser extremamente bem articuladas nas nações unidas, senão as suas consequências
podem ser nefastas.
Jornalistas,defensores de direitos humanos e ativistas encontram-se muito preocupados com
esta situação, uma vez que, sem uma legislação geral e clara, encontram-se em
risco de ser acusados mesmo que ajam sem dolo. As preocupações relativas aos
direitos humanas são demonstradas, tanto por grupos da sociedade civil, como
por organizações de direitos humanos e pela Comissão Europeia que em
declarações diz que “as disposições a negociar podem conduzir a interferências,
por exemplo, no direito a um julgamento equitativo, no direito à privacidade e
no direito à proteção de dados pessoais”.
As
negociações até agora não têm chegado a grandes consensos, e o debate vai
continuar numa sexta sessão em agosto deste ano em Nova Iorque, para que em janeiro de 2024 um rascunho finalizado possa ser entregue na Assembleia Geral
da ONU. Os Estados envolvidos não podem ignorar as consequências da
globalização, sendo a criação de um quadro legal internacional algo positivo
para um combate conjunto aos crimes cibernéticos, desde que seja baseado em
consensos e tenha em conta as liberdades individuais e os direitos humanos,
assim como a necessidade da existência de uma harmonização legislativa entre o
quadro legislativo nacional e internacional.
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