Georgia Meloni: alinhamento da extrema-direita com o Projeto Europeu



A 22 de outubro de 2022 o terceiro gigante económico da União Europeia reconheceu a extrema-direita nacionalista como doutrina responsável por coordenar a sua política até ao próximo momento legislativo. Perante o paradigma, cresceu no seio das instituições, organizações e cidadãos europeus a dúvida sobre os limites que serão ultrapassados pelo novo governo italiano em relação às diretrizes e pilares da União Europeia numa trajetória que eleve o slogan “Deus, pátria e Família” da campanha de Giorgia Meloni, a atual primeira-ministra italiana. 

A análise dos impactos da ascensão de um novo governo de direita na Europa, que prometia ser disruptivo em relação à sua posição na União Europeia, ganha destaque tendo em conta a importância de Itália no bloco em análise e o seu potencial de influência da matriz ideológica europeia. A interdependência entre as duas entidades torna-se evidente na conduta de ambas.

A discussão em torno da qualidade das democracias e as consequências que fações extremas podem ter no espectro democrático é longa e inconclusiva, uma vez que é alimentada por este tipo de personalidades que utilizam o populismo, discursos polémicos e assuntos mediáticos para chamar a atenção de um eleitorado que diante da crise, do aumento do custo de vida e da instabilidade política marcada por governos pouco duradouros encontra no voto à direita uma consciência de manifesto. 

Anteriormente às eleições, umas das maiores preocupações de Meloni era demarcar a sua posição eurocetica, afirmando duas semanas antes das legislativas antecipadas “Se eu ganhar, para a Europa, a diversão acabou”. O enunciado considerado “uma afirmação perturbadora” pelo seu rival Eurico Letta, recorreu essencialmente ao principio da subsidiariedade do Tratado da União Europeia para justificar o desagrado da futura primeira-ministra em relação às condições que limitam o exercício das competências da União Europeia em detrimento da ação dos próprios Estados-Membros. A defesa da soberania dos Estados-Membros é uma forma dos partidos políticos conservadores adquirirem poder de veto e assim deterem o monopólio de poder nacional, isolando o país e governando segundo o livre-arbítrio.

Não obstante das suas declarações polémicas que prometiam abanar a Europa, a nova dirigente italiana tem demonstrado interesse em construir à sua volta um conceito politicamente mais equilibrado. Dada a suavização da sua conduta, tudo aponta para que o governo italiano não constitua uma ameaça para o nível de democraticidade do seu país, no entanto o equilíbrio de poderes não está assegurado, afirma Jaime Nogueira Pinto.

É importante analisar a que ponto a ascensão deste tipo de governação em Itália tem o alcance de constituir um obstáculo para a perpetuação dos procedimentos europeus. Em oposição às suas manifestações antes de assumir os poderes governativos, não existem evidências diretas que apontem para uma mudança radical na política externa italiana e nas diretrizes da União Europeia. No que diz respeito ao Tratado do Atlântico Norte (NATO) não é vislumbrada uma suspensão dos diálogos e pactos. A conjuntura é possivelmente mantida não só pelo fenómeno contemporâneo de estreitamento da autonomia dos governos nacionais, que têm perdido alguma capacidade de se afirmar perante as pressões de Bruxelas, mas também a atual dependência que Itália nutre pelos fundos do Banco Central Europeu, pelo que seria altamente imprudente romper as relações no contingente de deixar de ser subsidiado, agravando o já descontrolado aumento da dívida. 

A promessa de manutenção do apoio da ultradireita italiana a Kiev testemunha a pretensão do novo governo italiano de se posicionar num lugar de confiança em relação à aliança do ocidente, assumindo que a derrota ucraniana pode representar uma futura invasão russa às nações europeias. Itália levou a cabo a aprovação de seis pacotes de apoio militar à nação ofendida belicamente pela Rússia, pelo que neste campo Meloni se tem posicionado ao lado dos aliados na defesa antiaérea, protegendo infraestruturas perigosas como as de rede elétrica. O suporte italiano às condenações russas da UE-27 foi imediato, assim como o seu apoio às soluções levadas a cabo pela União nos setores mais afetados pela guerra: a energia e a emigração. Numa visita a Kiev em fevereiro deste ano, Meloni assegurou ao presidente ucraniano a sua total disponibilidade para, em conjunto com os parceiros internacionais, defender a soberania ucraniana. 

Uma realidade europeia, uma vez já segmentada em coligações paralelas e dividida em nações com governos de índole fascista e socialista, perspetiva o aparecimento de novas gestões à extrema-direita como corrosivas do plano internacional. Uma evidência clara de como a acumulação destes governos desgasta o modelo socioeconómico europeu é o alinhamento de Meloni com a Polónia, a Hungria e a Suécia no Conselho Europeu em relação à discussão sobre o Estado de Direito. A popular aliança entre o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o partido e pessoa de Giorgia Meloni, baseada nas paridades ideológicas ultraconservadoras, está sujeita de formar um género de divergência interna à União. A primeira-ministra italiana já demonstrou que o seu apoio a Orbán tem em algumas questões prioridade em relação ao estatuto europeu, alinhando-se com a Turquia aquando da ameaça de sanções económicas perante o risco de danos à democracia e de corrupção. 

O governo de Meloni tem se deparado até agora com um número elevado de obstruções à prática da política externa que foi prometida pela sua campanha legislativa, pelo que a sua conduta se tem vindo a revelar arbitrada pelas questões internas de modo a manter alguma estabilidade nacional. Neste jogo de interesses que é a política externa, o mais recente governo italiano mantém-se ajustado aos interesses ocidentais, mitigando alguns temores relacionados à sua tomada de posse.

Comentários

Mensagens populares