O problema das barragens: existirá uma guerra ibérica pela água?
fonte: https://www.agroportal.pt |
Margarida Simões discorre sobre o problema da manutenção dos caudais na península ibérica e analisa se o problema opõe Portugal a Espanha ou se, por outro lado, é uma crise que enfrenta uma frente unida.
Estaremos perante uma guerra pela água na península ibérica que opõe Portugal a Espanha? Ou a guerra é conjunta contra a falta de água nos dois países?
As barragens entre Portugal e Espanha têm sido objeto de discussão e preocupação por parte de especialistas e das populações que vivem nas áreas afetadas por estas infraestruturas.
Uma das principais preocupações é a gestão dos recursos hídricos e a sua distribuição equitativa entre os dois países. Portugal tem argumentado que Espanha tem vindo a reter água nos seus reservatórios, o que tem consequências graves para a agricultura e para o abastecimento de água em Portugal, especialmente nas regiões do Alentejo e do Algarve. Por outro lado, Espanha afirma que está apenas a cumprir as suas obrigações em termos de armazenamento de água, para fazer face às secas prolongadas que têm afetado o seu país.
Em setembro de 2022, o jornal Público noticiou que o Estado espanhol não iria cumprir a sua quota-parte da transferência de água do rio Douro para o lado português e a confirmação veio da Confederação Hidrográfica do Douro, que anunciou ter cumprido uma ordem do Ministério da Transição Ecológica e Desafio Demográfico espanhol (MITECO) para “interromper a transferência” das águas para Portugal. O Governo Espanhol não tardou a afirmar que a decisão tinha sido tomada com o conhecimento de Portugal e os dois países reuniram-se e lançaram um comunicado no qual se comprometem a encontrar “soluções que minimizem os impactos” da seca, admitindo preocupação perante as previsões meteorológicas que obrigarão ao reforço da coordenação da gestão da água e da libertação de caudais.
Tendo tudo isto em conta é possível afirmar que a questão a nível diplomático e político se encontra solucionada, ainda assim esta é apenas a ponta do iceberg.
Os cinco rios internacionais que passam por Portugal — Tejo, Douro, Guadiana, Minho e Lima — nascem em Espanha. A presença de barragens no lado espanhol dos caudais destes cursos de água obriga a uma gestão de quanto é que o país vizinho acumula e quando é que descarrega para o lado português durante um ano hidrológico, que inicia a 1 de outubro e termina a 30 de setembro do ano civil seguinte. Esse equilíbrio foi definido pela Convenção de Albufeira, que por sua vez se enquadra na Diretiva Quadro da Água da União Europeia.
Nesta convenção Espanha compromete-se a enviar anualmente um volume, que se encontra estipulado, de água para Portugal. Volume esse que se baseia num princípio definido no artigo 16º., onde se estipula “o regime de caudais necessário para garantir o bom estado das águas”. Ora, o problema reside no facto de Espanha não fazer as descargas de forma contínua, ao invés, a tendência desde 1998 tem sido de acumular água nas barragens e lançá-la em grandes quantidades em curtos espaços de tempo. Que foi exatamente aquilo que se passou no Rio Douro, de acordo com os caudais previstos, Espanha tinha de lançar 570 hm3 no rio Douro e 130 hm3 no rio Tejo desde 1 de Julho até 30 de Setembro. No entanto, no comunicado conjunto dos ministérios dos dois países, admite-se que “Espanha não irá cumprir com os caudais anuais nos rios Tejo e Douro, que se antecipa que fiquem em cerca de 90% dos valores estabelecidos na Convenção”.
O não fazer descargas de forma contínua tem consequências ao nível da qualidade das águas e das espécies que nelas se desenvolvem, as águas, ao ficarem tanto tempo paradas nas barragens espanholas, são sujeitas a processos de eutrofização, ou seja, a acumular nutrientes em excesso, o que gera matéria orgânica prejudicial aos ecossistemas. Nos últimos anos, tem sido frequente a presença de Azolla, uma planta aquática exótica invasora que surge quando as águas se encontram estagnadas e poluídas por fosfatos e nitratos, e algas no rio Tejo, provenientes da barragem de Cedillo, na província de Cáceres.
Estes acontecimentos mostram que as consequências não são apenas portuguesas, mas também espanholas, os rios no país vizinho também se encontram poluídos, também em Espanha os agricultores se queixam de falta de água para a rega dos seus campos, entre outros problemas que assolam os dois países.
Com base em todos os pontos acima mencionados podemos afirmar que a guerra que possa estar a acontecer beneficia mais se os dois países não se aliarem na luta contra a mesma, torna-se necessário rever os acordos para que tanto Portugal como Espanha saiam o mínimo prejudicados o que só se torna possível com um esforço conjunto de ambas as partes. Com os dois países a enfrentarem problemas no que diz respeito à manutenção dos caudais é do maior interesse que os países da península ibérica se unam no combate a este flagelo.
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